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Projeto Cansei



— Larissa Isis


Criado em 2014 pela fotógrafa Larissa Isis, “Cansei” é um projeto fotográfico que tem como objetivo trazer à tona parte da experiência de ser uma mulher negra em uma sociedade pautada pela democracia branca, através do retrato e da documentação de depoimentos protagonizados por mulheres negras que, apesar de terem diferentes origens, características e histórias, passam por experiências de violências e preconceitos que se aproximam.


O projeto "Cansei" conta atualmente com cerca de 90 imagens e continua vivo até hoje, circulando pelas redes sociais, pela internet, por exposições, em escolas e eventos, por meio de palestras e encontros. Além da temática, o projeto nos permite pensar os muitos lugares que as imagens podem ocupar, sua potência de difusão de conteúdos, com alcances para além de espaços habituais das artes, bem como suas complexidades e desafios.



Larissa Isis

›  Larissa Isis. Projeto Cansei




Larissa, em qual contexto surge o projeto "Cansei"? Qual é a trajetória dele?


Em 2014, eu e mais cinco amigas criamos o Melanina da Vale – projeto com objetivo de aquilombamento que promovia debates, oficinas, exposições de arte da cultura negra –, que contou com várias edições. Na segunda edição, eu comecei a criar as fotos do projeto Cansei partindo de algumas referências 1. Em 2017, uma página no Facebook repostou sem a minha autorização todas as imagens, e elas viralizaram. Eu lembro que cada foto tinha perto de 30 mil comentários e cerca de 10 mil compartilhamentos.


Havia comentários muito bons, que entendiam a proposta do projeto, mas também comentários horríveis. Na época, eu não soube lidar com isso. Eu acordei um dia com meu celular lotado de mensagens das meninas que participaram do projeto pedindo para retirar as fotos daquela página. Eu não sabia como agir, conversei com uma advogada, mas era algo muito mais complexo do que eu imaginava. Então, depois de 2017, ele ganhou força novamente e praticamente todos os anos, em algum momento, ele volta à tona. Porque é um projeto que, apesar de ter sido criado em 2014, ainda é atual. Na verdade, o projeto viraliza e gera coisas ruins, mas também acontece muita coisa boa. Fui para diversos lugares conversar sobre ele, de modo que isso me faz pensar que eu preciso dar continuidade.



Poderíamos dizer que este projeto tem uma trajetória que reflete a nossa sociedade? Você sente que algo mudou nesses dez anos?


Infelizmente as coisas não mudaram. Aqueles cansaços que a gente apresenta permanecem muito vivos. No projeto também tem uma foto minha, “meu cansaço” é: “Cansei de ser chamada de morena”. Eu sou negra e até hoje escuto exatamente a mesma frase. Um outro exemplo é: "Cansei de ser negra somente em novembro".

A gente vê que realmente é só nesses momentos que as empresas chamam pessoas para falar sobre esse assunto. Mas, em todos os outros meses do ano, não. Algumas empresas estão fazendo isso fora desse mês, estão de fato diversificando mais, mas eu acho que falta muito ainda. Se somos 56% da população, acho que pelo menos a metade de pessoas negras tinha que estar ocupando todos os espaços dentro de empresas e estar em funções de poder na sociedade.




O campo da fotografia é muito amplo Ao mesmo tempo que é uma ferramenta acessível, tem um circuito de profissionais altamente capacitados que precisam se atualizar constantemente em termos de construção e leitura de imagem, tecnologias e equipamentos. Ela também se expande para o campo das artes visuais e para a área comercial. Qual é a potência da imagem fotográfica?


Eu acho que a potência no que eu faço é fazer as pessoas pararem e olharem para a foto, em vez de simplesmente seguirem o seu caminho. Parar, olhar e analisar de fato o que aquela foto quer dizer. Quando a exposição Cansei ficou três meses no Metrô, muitas pessoas me mandaram mensagens com suas impressões. É sobre isso. Essas pessoas estavam passando ali. A imagem chamou atenção, e elas pararam um pouquinho.

Meu sonho mesmo é ir para outros lugares, como a experiência que vivi em escolas na Paraíba. Foi muito interessante, fiz algumas dinâmicas com os adolescentes para refletirmos juntos sobre o que eles entendiam com aquele cansaço. O que a gente podia fazer para exterminar aquele cansaço? No final, criamos algumas imagens de incentivo para aquelas mulheres que estavam cansadas, imagens de amor.


Percebo que é algo para levar para muitos lugares como um símbolo de transformação. Esse projeto fica maior quando a gente fala com crianças e adolescentes, porque elas são a possibilidade de mudança.




Larissa Isis

Melanina do Vale é um coletivo organizado por mulheres negras com destaque na região do Vale do Paraíba que objetiva socializar, unir e empoderar a mulher negra para que ela se sinta mais conectada, bonita, forte e segura de si, além de elevar a autoestima e proporcionar o autoconheciment





Larissa Isis

›  Larissa Isis. Exposição Cansei, Parque Vicentina Aranha, em São José dos Campos (SP), 2015.





Larissa Isis

›  Larissa Isis. Registros do público nos cadernos da exposição Cansei, Parque Vicentina Aranha, em São José dos Campos (SP), 2015.






Larissa Isis

› Exposição Cansei na estação de metrô Tatuapé em São Paulo. Fotografia:Larissa Isis




Larissa Isis

Na casa do meu pai, a gente tem uma gaveta recheada de fotos. Quando eu morava com ele, eu costumava abrir muito essa gaveta pra relembrar esses momentos. Essa imagem foi ele que fotografou, sou eu, muito pequena ainda, com a minha mãe e um fundo todo desfocado. Essa imagem até hoje me inspira para seguir fotografando.




Para saber mais:



Este projeto tem autoria e inúmeras participantes. Não replique, procure conhecer a proposta.

Para publicações e dinâmicas inspiradas no projeto, entre em contato com a artista.



 

Notas

  1. “I’m Tired Project”, criado por Paula Akpan e Harriet Evans, e o projeto “Ah, branco, dá um tempo!”, de Lorena Monique dos Santos, que também se inspirou numa campanha similar realizada em Harvard.





 

Larissa Isis


Natural de São José dos Campos - SP, é fotógrafa. Formada em Nutrição, retrata mulheres negras desde 2015.

Quando criança, começou a deparar com os registros fotográficos de momentos familiares feitos pelo pai, sua primeira influência.

A interseccionalidade é o eixo central dos seus trabalhos, expondo questões de gênero e raça em narrativas vivenciadas por mulheres para o projeto Cansei.


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