Editorial — Educação e Arte
- Célia Barros
- Jul 20
- 6 min read
Updated: Aug 4
— Célia Barros e Gabriela Leirias

Somos uma publicação digital gratuita que divulga pesquisas de Artes Visuais no interior e no litoral do estado de São Paulo, em diálogo com projetos nacionais e internacionais, fortalecendo e articulando contextos locais. O projeto teve início em 2024 com o apoio fundamental do ProAC para estender as redes e realizar mapeamentos de cenas locais, tecendo conexões entre propostas, projetos, artistas, curadorias, espaços institucionais e independentes.
Começamos 2025 certas da importância da revista, mas com o desafio de dar seguimento sem financiamento institucional constante, de modo que chegamos a esta quinta edição recebendo muito apoio de nossa rede de colaboradores para viabilizar a revista, agora semestral. Outra novidade nesta edição é a ampliação de territórios de abordagem. Temos uma nova seção que convida um projeto/artista de atuação nacional e outro internacional, potencializando as redes e os debates em outras escalas.
Assim chegamos a esta edição com o bom desafio de pensar as relações entre Educação e Arte, tema que percorre transversalmente todas as edições da Revista Latente. Nosso núcleo editorial tem na prática educativa o fio dos processos criativos que envolvem a noção de fazermundo por meio das relações. Curadoria não existe sem educação, mas que tipos de processo educativo queremos ativar com as nossas ações?
A virada educativa no campo das artes trouxe consigo a consciência do papel da educação e das múltiplas pedagogias em diversas práticas artísticas, e destas como potencializadoras de novas concepções de educação. Essa virada se deve, em parte, ao reconhecimento
da arte como campo do conhecimento e a movimentos de artistas que romperam a dicotomia entre fazer-perceber criando novas relações possíveis que desembocaram em ações relacionais, participativas ou artivistas. Vale também referir o aprofundamento e a relevância que o ensino experimental artístico, seja de forma isolada, seja em ateliês e escolas formais, foi apresentando como ação criativa em si, capaz de mobilizar as autorias, romper estruturas, gerar relações e formas de se entender nas artes e no mundo.
Mesmo que diante dos questionamentos de Mark Fischer muitos não consigam imaginar o fim do capitalismo, podemos identificar os rastros da colonialidade na gênese e nos processos educativos, tornando cada vez mais evidente a necessidade de romper comas relações de poder e buscar outras formas de nos relacionarmos coma posse, a necessidade e o desejo. Estruturas habituais de podere de conhecimento se rompemcom projetos como Livros Vivosna Unicamp. Em Ulei Corpo Ancestral – conversas come sobre o filme, Alik Wunder,Davina Marques, Janilton Pinheiro Ferreira, Lilly Baniwa, Mawanaya Waurá e Vera Lucia Aguiar Moura Tukano enriquecem as práticas do pensar e criar coletivamente para gerar acolhimento e pertencimento na universidade, que tem se aberto para outros saberes e narrativas não ocidentais.
Essa busca por criar e ser protago nista das próprias narrativas está em consonância com a experiência de educação, arte, memória e patrimônio do Acervo da Laje, fundado por
Vilma Santos e José Eduardo Ferreira Santos na periferia de Salvador, na Bahia. Impossível em um texto dar conta da profunda capacidade de transformação que esse projeto alcança nos seus 14 anos de trajetória, enlaçando questões tão fundamentais como autonomia, resistência, dignidade, valor e vida.
Há algo vital na proposta da Escola Desnuda de Miguel Braceli que, desde a Venezuela, percorre esta
edição e se centra nos lugares formadores da arte em particular. Desde o pensamento arquitetural, Braceli esboça uma questão espacial inerente a qualquer dinâmica relacional educacional: é uma roda, um meio círculo, quem se senta na cadeira poderia se sentar no chão
ou na área externa debaixo de uma árvore? Como nos transformamos entre quatro paredes? O fio que Braceli tece nos conduz ao dilema mercado/sistema da arte e aos limites que as ambicionadas paredes do cubo branco nos confrontam.
Sobre os espaços formativos para o artista contemporâneo, podemos traçar um olhar crítico e sensível para o fazer, aprender e ensinar arte que se relaciona com a proposta de Residência Artística Situada da Terra Saúva, um lugar que articula fazeres, saberes e comunidades a partir do território, onde o cultivo de uma terra sã alinhava vínculos interespécies.
O relato de Paulo Lorenzeti ocorre a partir da experiência cotidiana em uma escola pública de Araraquara. Entre os muros da escola, o professor e os alunos percorrem as paredes
e, por meio de poéticas artísticas, formulam outras histórias das artes para fazêlas suas. É um relato da potência das artes para tornar visíveis limites e problemáticas da juventude, que exige respostas emancipadoras.
Por outra perspectiva, Isadora Ifanger, Maíra Schiavinato e Paula Monterrey fazem uma reflexão sobre o Mapeamento de Agentes Culturais com Deficiência de Campinas. Essa ação traz em sio primeiro gesto de uma pedagogia que se quer transformadora: a escuta. Mapear, identificar e entender os lugares, as histórias e as pessoas que os habitam é fundamental para ações que propõem mudanças estruturantes. Escutar também é um gesto de diálogo que permite ao interlocutor reconhecerse, entenderse como parte de uma rede de ações e forças estratégicas. Emerge dessa conversa uma reflexão que precisamos tornar mais presente e constante sobre as instituições e que tipo de dependência ou associações podem se estabelecer com e a partir dessas figuras jurídicas.
Os laboratórios “Poéticas da terra”, que Gabriela Leirias desenvolve dentro da sua pesquisa poética Jardinalidades, são ferramentas sensíveis para o diálogo e a reflexão a partir dos afetos e dos contextos de cada corpo, trazendo a dimensão política e territorial da arte contemporânea, numa pedagogia da terra. Ainda sobre as aprendizagens nos processos de colaboração e participação, Valquíria Prates debruça-se sobre a produção da artista Simone Moraes, com sua trajetória entre os Cerrados de Ribeirão Preto (SP) e Padre Bernardo (GO), mergulhando também nos interstícios do deslocamento das práticas contemporâneas para as relações, já citado por Miguel Braceli.
Em São José do Rio Preto, interior paulista, “terras originalmente guaranis, kaingangs, oitis, mas também terenas, kariris, huni kuins e de todas nossas nações indígenas em suas constantes diásporas, migrações e movimentações diversas”, a Educar Ancestral dedicase a aprender e formular conhecimentos com as comunidades e populações indígenas que, entre si, configuram uma aldeia multiétnica em plena cidade.
A obra de Stela Barbieri, como artista, educadora, contadora de histórias, curadora educativa e atelierista, éuma referência irrefutável por sua trajetória e sua contribuição para os campos da Educação, da Arte e da Mediação Cultural. Para a direção editorial da Revista Latente, sua atuação reverbera no modo como pensamos e atuamos em nossos projetos. Noções como exposição-ateliê se inspiram profundamente nas obras-oficina da artista e na forma como seu trabalho nos convida ao estado da arte. Palavras como encontro, diálogo e experiência, que foram a base do programa educativo durante a sua atuação na Bienal de São Paulo como curadora educativa, ecoam em nossos projetos e seguem tecendo sentidos para além de fazermos uso de outras terminologias que proporcionem lugares similares.
A exposição como espaço educativo e as possíveis metodologias pedagógicas, não é novidade nas histórias das artes. É bem conhecido o uso da pintura religiosa na arte ocidental como ferramenta didática ou a criação de museus e sua herança colonial. Podemos também citar as mirações Huni Kuin como trânsitos educativos de conhecimentos ancestrais ou os Adinkras que difundem valores culturais, entre tantas outras formas de exposição visual mundo afora, que procuram transmitir ideias e gerar conhecimentos.
Na dificuldade de definir uma ação tão complexa como mediação cultural, Janaina Machado, Eri Alves, Paula Monterrey, Luciano Favero e Malba Oliveira propõem algumas respostas a partir da sua atuação na área.
Quando atuamos em uma exposição, existem relações entre os agentes envolvidos que parecem invisíveis, mas estão muito presentes em todo o processo. São relações que se forjam sob uma ideia de hierarquia do conhecimento e de autoria, que podemos distender, mas tendem a se restabelecera cada novo projeto. Em “Chão da exposição”, Célia Barros expressa esse território em
que as ideias e os encontros se materializam, reverberando as potencialidades, mas também os limites de cada projeto.
Recuperar o brincar, dar-lhe novas formas e encontrar possibilidades de sentido navida adulta é um dos desafios mais usuais em propostas de Educação e Arte, sendo o jogo uma estratégia lúdica de assimilação e capacidade de reconfigurar papéis. O jogo Chão da exposição procura entender quais são os campos de forças e de relações, visíveis e invisíveis, que acontecem numa exposição. Como poderíamos compor um desenho dessas relações? Qual configuração desse mosaico
no seu ambiente ou na sua instituição cultural? Podemos experimentar transformá-lo?
Esta edição pretende somar ao debate e à investigação de noções ampliadas de educação e como práticas a ela atreladas têm sido experimentadas nos contextos artísticos. Mais uma oportunidade para artistas e demais trabalhadores das artes de refletirmos sobre as nossas práticas, procurando expandir concepções arraigadas e apontar para outros modos de compreensão sobre educação nas artes, enfocando diferentes métodos, abordagens, objetivos e a geração de diversos modos de saber.
Comments