— Cibele Lucena e Flavia Mielnik
Nossa pesquisa começou em 2021, quando soubemos que o Hospital Psiquiátrico do Juquery estava encerrando as atividades de internação permanente, após 123 anos de funcionamento. Esse fato não podia ser ignorado. A partir da escuta de pessoas que trabalharam no manicômio, de um ex-interno morador e outras pessoas também comprometidas com a luta antimanicomial, criamos manualmente um registro composto de depoimentos, desenhos, mono- tipias e colagens. Sentar, ouvir e aprender com Estela Rabelo, Glalco Cyriaco, Marcelo Macario, Márcia Angelotti, Maria Veridiana Paes de Barros, Montanha (José Antônio Gonçalves dos Santos), Neusa do Espírito Santo, Patrícia Buchain, Paula Karkoski e Sueli Vieira, que corajosamente emprestaram suas memórias de amor e horror, nos permitiu construir um dos muitos percursos possíveis nesse labirinto de corredores e paredes descascadas, de tantas e tantas camadas.
O que não pode ser esquecido quando o Juquery fecha as portas? é um livro que nos convida a adentrar o manicômio através da sala de costura, onde Neusa do Espírito Santo, costureira do Juquery por mais de 30 anos e uma das últimas funcionárias, trabalhava ao som de uma vitrola. Ali se inicia um percurso permeado por experiências de cuidado, sensibilidade e afeto, ao mesmo tempo cercado pelas mais diversas violências. Nosso trabalho foi o de dispor cuidadosamente cada testemunho que ouvimos sobre uma mesa, arranjando-os de modo que pudéssemos percorrê-los como se percorre uma paisagem com buracos, armadilhas, terrenos movediços, subidas e descidas íngremes, beiras de rios, sombras de árvores ancestrais e quintais nativos, histórias de amor e horror que precisam ser registradas antes que se apaguem.
Ficha técnica
O que não pode ser esquecido quando o Juquery fecha as portas?, 2021 Capa e quarta capa em linho e bordadoMiolo em colagem, desenho e monotipia sobre papel Canson Edition 100% algodão, 250 g/m2
33 × 25 cm, 64 páginas
Encadernação manual, lombada aparente Bolsa que guarda o livro em brim
Reprodução das páginas originais
Marcos Issa
Foto do livro objeto
Nino Andrés
O livro, agora em processo de publicação pela Editora Funilaria, carrega esse arquivo vivo de histórias ilustradas, assim como aborda a questão da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica de maneira mais ampla, tendo o Juquery como território micro e macro. Publicada como um fac-símile, a obra traz textos inéditos do psicanalista Kwame Yonatan Poli dos Santos e do psicólogo Lucas Veiga e conta com contribuições da atriz Jéssica Barbosa; de Diana Kolker, responsável pelo projeto pedagógico do Museu Bispo do Rosário; e de Elielton Ribeiro, curador e gestor do acervo do Museu de Arte Osório César.
Cibele Lucena
Cibele Lucena é artista, educadora e pesquisadora em arte, formada em Geografia (USP) e mestre em Psicologia Clínica/Estudos da Subjetividade (PUC-SP, 2017). Nos últimos 24 anos, fundou e integrou coletivos de arte, como Grupo Contrafilé, Frente 3 de Fevereiro e Política do Impossível. Trabalha com formação de professores, acompanhamento pedagógico de educadores, criação de publicações educativas e desenvolve pesquisas em desenho, bordado e monotipia, autorais e em colaboração. Junto ao Contrafilé participou de exposições nacionais e internacionais, como Mulheres em Luta! (Memorial da Resistência, 2023/24), Playgrounds 2016 (MASP, 2016), 31a Bienal de Arte de São Paulo (2014) e Collective Creativity (Kunsthalle Fridericianum Museum, Kassel/Alemanha, 2005).
Flavia Mielnik
Flavia Mielnik é artista, educadora e pesquisadora. Seus trabalhos emergem de circunstâncias comunitárias, concebendo narrativas que originam materialidades gráficas e poéticas e indagam sobre a documentação de histórias e a construção de memórias coletivas. Coordenou o Núcleo de Ação Educativa do Museu da Casa Brasileira, participou de projetos colaborativos pela Luta Antimanicomial, no Festival Soy Loco por ti Juquery no Complexo Hospitalar do Juquery, CAPS; e das Residências: Fotoativa (Belém-PA, 2024); Mirante Xique-Xique (Igatú-BA, 2022); FLORA ars+natura (Bogotá, Colômbia 2017).
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