— Rodrigo Seles
Ave Labor é um caderno de pinturas sobre o mundo do trabalho.
São histórias de desejos, delírios e, às vezes, coisas ridículas, mas com um viés no sofrimento que todos nós, trabalhadores, enfrentamos.
O sofrimento é um tema que venho abor- dando porque gosto bastante da estética do terror e do grotesco (o grotesco e o terror aqui como algo que nos incomoda muito, o feio e o assustador, como a figura do alien de H. R. Giger, famosa pelos filmes, e o absurdo, como se esse alien estivesse usando um terno), mas também porque é um assunto que permeia toda a nossa existência. Todos os seres sencientes experimentam o sofrimento. Considero, no entanto, que, diferentemente de outros seres, nós, humanos, temos muita criatividade para criar formas de sofrimento, inéditas na natureza, sendo uma das mais engenhosas a jornada de trabalho atual.
Porém, além das dificuldades inatas de cada tipo de trabalho, do nosso sistema de exploração laboral, da locomoção do dia a dia, do tempo de vida dedicado à produtividade etc., temos as angústias próprias de cada indivíduo, seus desejos a partir do mundo em que vivemos, sendo este último tipo de sofrimento um dos que permeiam a cabeça de qualquer trabalhador, por mais privilegiado que seja. Falo sobre o sofrimento sob a perspectiva do trabalho, também como crença, para trazer uma narrativa tenebrosa de como nossos desejos podem nos levar a buscar todo dia um pouquinho mais de aflição, além das muitas que já vêm no pacote capitalista, ainda que pareçam um tesouro cintilante no fim do caminho.
Para representar esses tesouros que nossa mente cria, tenho várias inspirações, sendo
algumas delas bem populares nos dias de hoje, como os videogames. No game design, os elementos guiam visualmente o jogador (pelo menos quando bem-feitos) para perceber o que tem de ser feito, onde se deve interagir, como se pode explorar, o que encaixa em quê, e nas pinturas gosto de fazer que elementos pareçam aguardar uma interação dos personagens, fazer passagens ocultas, segredos e dicas para solucionar a mensagem.
Em outro aspecto estético e de narrativa, me inspiro bastante nas pinturas medievais, como as de Hieronymus Bosch, para mim, o suprassumo da representação dos medos e sofrimentos humanos da época, usando, por vezes, um tom satírico, com muita ima- ginação do pitoresco e do humor. Também pego elementos das thangka budistas, pinturas tibetanas cheias de símbolos fantásticos que se debruçam justamente sobre o sofrimento (e sua extinção).
Por fim, os troféus dourados que tanto aparecem em Ave Labor não passam de uma ilusão criada a partir de nossa própria mente engenhosa que nos fazem sofrer um pouco mais que o de praxe, mas são realmente muito bonitos para serem ignorados.
› Rodrigo Seles, Ave Labor. 2023. Caderno pintado com guache e lápis de cor, 20 páginas, 42 × 60 cm (aberto).
Rodrigo Seles
Com formação em Design Gráfico pela Unesp, vive e trabalha em Mirassol, São Paulo. Seu trabalho artístico faz uso de personagens, símbolos e ícones, utilizando-se da compartimentação e da interconexão de espaços geométricos inspirados no layout de jogos eletrônicos primitivos, na arte medieval e em thangkas budistas. Explora ambientes oníricos, temas sociais e políticos com ênfase nas causas do sofrimento, por meio de um prisma antiutópico, mas bem- humorado. Trabalha com várias técnicas, mas principalmente com pintura em guache sobre papel, e com projetos audiovisuais. Expôs na Era de Atari (2023), na Lona Galeria; no 50o Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto (2022), no Paço Municipal de Santo André; na 12a Bienal Internacional de Arte Jovem de Vila Verde (2022) na Biblioteca de Vila Verde, Portugal); no PicNic Art Festival (2019) no Qiao Space em Xanghai, China.
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